sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Entrevista: Eloisa e o Movimento Pinguim Chileno

A jovem de 17 anos, Eloísa González, é um dos rostos mais visíveis dos “pinguins”, como são chamados os alunos secundaristas. Ela afirma, na entrevista abaixo, que o governo de Piñera aposta no desgaste e na divisão do movimento estudantil.

A reportagem é de Christian Palma e está publicada no jornal argentino Página/12, 27-08-2012. A tradução é do Cepat.

Em 08 de agosto passado, quando no meio de uma das tantas marchas protagonizadas pelos estudantes entre 2011 e 2012 foram queimados três micro-ônibus em Santiago, a jovem de 17 anos e porta-voz da Assembleia de Estudantes Secundaristas (Aces), Eloísa González, sua voz não tremeu para acusar o governo de Sebastián Piñera de tentar criminalizar o movimento estudantil. O fez diante das câmaras de TV de cobertura nacional. Depois moderou suas palavras, mas deu conta do caráter da nova cara visível dos pinguins, o que, de passagem, incendiou outra vez a causa estudantil chilena, como reconhecem todos os atores.

Eloísa claramente acendeu as alarmas nos escritórios das autoridades, que viam como mesmo com o passar do tempo as mobilizações não permaneciam paradas. Inclusive o prefeito de Santiago, Pablo Zalaquett, a qualificou de “uma das lideranças mais negativas que viu nos últimos tempos”, acusando-a de incentivar a violência. Ela, contudo, segue dando a cara, como no sábado – depois que as forças policiais dissolveram um encontro de secundaristas –, quando declarou que “a violência traz mais violência e na democracia não é a forma de se expressar. Não devemos nos fazer de vítimas caso nos provoquem”.

Com essa franqueza, a moça de cabelos ruivos, que vive sozinha com sua mãe professora, quer estudar literatura ou economia e reconhece abertamente sua condição de lésbica, conversou com o Página/12 fora da casa central da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, onde temas como a educação gratuita e de qualidade, o fim do lucro e o retorno da educação pública ao governo central se misturam com os ideais da nova líder.

Você lidera a Aces, a ala mais radical dos secundaristas. Como é o trabalho diário na assembleia?
No movimento estudantil secundarista historicamente existiram várias organizações principais, uma que acredita num modelo federativo e outra no modelo de assembleias que permite fazer melhor as tarefas e que conta com a participação de estudantes de base, que é onde eu participo. Aqui todos trabalham por igual, quem fala nos meios de comunicação também sai para “machetear” (pedir na rua) dinheiro, fazer faixas para as assembleias. Todo o mundo tem tarefas, incluindo-me a mim. Cada semana participam em média 50 liceus.

A Aces é mais combativa, então. Convoca os colégios periféricos?
A assembleia representa colégios mais periféricos que não estiveram em outras organizações. Quanto à questão da combatividade, nos definimos como uma assembleia analítica, mas ao mesmo tempo de ação, ou seja, combinamos mais coisas; as mobilizações nos permitem gerar propostas, mas também reforçar as mobilizações.

Na ocasião em que foram queimados três micro-ônibus o governo veio com tudo para cima de você. Como toma essas críticas?
A responsabilidade não é nossa. Nós marchamos, nós ocupamos os colégios e explicamos as nossas demandas, que têm a ver com a crua realidade em que estamos vivendo como secundaristas. Acreditamos que a violência fundamental é a que se dá no dia a dia no interior dos estabelecimentos, isto não aconteceria se o governo nos desse uma solução imediata para o conflito.

Mas se individualizou em você?
Foi um ataque direto à minha pessoa, mas como eu represento uma assembleia, deixamos claro que respondo pelo que se decide em conjunto e a melhor ferramenta que temos para descartar as acusações contra mim é que eu represento um amplo movimento de secundaristas.

Concorda em que vocês deram um novo impulso ao movimento este ano?
Sim, efetivamente, mas os secundaristas historicamente foram da linha de frente e levantaram os movimentos estudantis porque nunca houve uma resposta concreta às nossas demandas, nem um mínimo avanço, mas antes o aprofundamento e a imposição da agenda privatizadora do governo.

Desde quando não conversam com o governo?
Ufff, desde o ano passado buscamos respostas que nunca chegaram.

O governo aposta no desgaste?
O Executivo aposta no desgaste e na divisão, e critica o movimento estudantil com políticas que buscam baixar o perfil.

Que avaliação fazem do ministro da Educação, Harald Beyer?
É de uma linha muito mais dura que os dois ministros anteriores, muito mais fechado ao diálogo e mais reacionário às nossas demandas e isso faz mal a ele e à sua gestão. Deve entender que aqui houve dois ministros que já foram substituídos e, diante disso, deveria hoje preocupar-se com a situação em que nos encontramos.

O movimento se radicalizou?
No twitter se diz que o ministro não passa de agosto (ri). Ele deveria se preocupar com as mobilizações e tratar de dar respostas logo, porque se as mobilizações aumentarem as coisas ficarão difíceis para ele.

Foi uma falha não se coordenar melhor no ano passado com os universitários?
Sim. Em 2011 não nos consideraram tanto. Isto aparecia como uma política dos universitários. Este ano nos validaram com a coordenação das marchas.
Errou neste sentido a gestão de Camila Vallejo.
Não apenas a gestão dela, mas a de todos os líderes universitários. Este ano houve uma mudança de dirigentes e uma mudança de política deles.

O que virá para os próximos dias?
No dia 28 [ontem] nos somamos à greve de secundarista, universitários e professores e virão mais ocupações de liceus na periferia.

Sua luta apontará para as reivindicações das minorias?
Dependerá de onde estiver. Agora a minha luta é pelos secundaristas, serei universitária e o farei a partir dali. Mas está ligado ao fato de que aqui estamos lutando pelos direitos fundamentais do povo e dizendo não à discriminação em todo sentido. Não tenho líderes espelho. Nem gosto de nenhum político ou partido. Não vou votar nas eleições municipais porque não vejo as eleições como um mecanismo que acredita em mudanças de verdade. Também não voto nas eleições presidenciais. Não simpatizo com nenhum candidato, não creio no critério do mal menor, os movimentos sociais devem propor o que querem para produzir mudanças.

FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512913-eloisa-uma-lider-pinguim

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